quarta-feira, 24 de março de 2010

Greve em São Paulo

“Queria trabalhar com ser humano, mas a Educação virou um produto e as escolas, são como fábricas”

Professor conta que o ensino piorou muito nos últimos anos




Diego Cruz, de São Paulo

Quando cursava a faculdade, o então estudante Luciano Lira sonhava em trabalhar com “ser humano”. Via na escola e na carreira de professor sua chance para isso. “A escola era o lócus em que se trabalhava com o ser humano”, explica Luciano, que começou a dar aula de Filosofia na rede pública de São Paulo em 1994.

Com o passar dos anos, porém, como outros incontáveis colegas, o professor se decepcionou. Não é difícil entender a razão. Ele testemunhou todo o processo de sucateamento e acelerada precarização do ensino naqueles anos. “Quando comecei, as condições não eram tão ruins, mas foram piorando muito”, conta. Em 1997, angustiado, chegou a deixar o Estado para trabalhar em Minas Gerais. Voltou em 2001, mas não gostou do que viu. “Percebi que as coisas não tinham melhorado, pelo contrário”.

Luciano reclama que a Educação passou a ser vista como um mero produto, e as escolas, como verdadeiras fábricas. Algo bem diferente do que queria quando se formou pensando em dar aulas. “Temos a sala superlotada, uma carga de trabalho multiplicada para que possamos pagar as contas, além de uma série de leis que vem aprovadas que, no mínimo, nos deixam bastante angustiados”.

O professor de Filosofia dá aulas há três anos numa escola do bairro do Rio Bonito, na Zona Sul da capital. O grande número de turmas que é obrigado a pegar impossibilita que suscite ou desenvolva qualquer tipo de reflexão, o que deveria ser o objetivo de uma disciplina como a sua. “Eu tenho 1 aula em cada sala, então, para pegar 20 aulas e receber R$ 920, tenho que pegar 20 turmas, de 40 a 50 alunos cada, então eu vou ter uma quantidade de alunos que torna praticamente impossível desenvolver um bom trabalho”, conta.

Hoje, ele dá aula para 17 turmas e só consegue sobreviver como professor por trabalhar também em outra escola. “É bem raro o professor que não tem um problema de estômago ou que não está estressado”, denuncia. “Algum professor deve ter feito mal pra esse governo, porque pra não gostar de professor assim... alguma coisa deve ter acontecido”.

Luciano se revolta ainda contra a imprensa, que diariamente manipula as informações sobre a greve e difunde as versões do governo Serra de que a greve atinge só 1% da categoria. A escola de Luciano, por exemplo, conta com 80% de paralisação. “A gente pelo menos queria confiar mais na imprensa. Tem 50 mil aqui hoje, isso vai contra qualquer coisa que a imprensa vem veiculado”, diz, olhando para os milhares de professores que se concentravam para a assembleia no vão do Masp.

O professor, mesmo indignado contra o que chama de desestruturação do Ensino Público nos últimos 15 anos, não se mostra prostrado ou desanimado. “Acredito que vamos conseguir com a nossa luta reverter muita coisa que foi feita contra a escola pública nos últimos anos”, diz, segurando uma bandeira da Conlutas e com uma faixa na cabeça com a frase “professores em greve”.

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